quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Cresceram lado a lado, brilham frente-a-frente


Na banda desenhada só há um Hulk, mas no clássico Benfica-FC Porto deste domingo, no Estádio da Luz, vão estar dois: o próprio e… David Luiz. É que, embora só um, o avançado dos dragões, use o nome do monstro verde, ambos têm as características dessa impressionante figura, de bons instintos, mas severamente feroz, que, quando se enerva, fica verde e rasga as suas próprias roupas - e fariam sentido numa daquelas fusões que uma operadora móvel fez de algumas figuras públicas. Também o central benfiquista (23 anos, 1,88 metros, 84 quilos) é um portento de robustez, igualando o avançado portista (24 anos, 1,78 metros e 68 quilos) numa característica, a força, que se revelou decisiva para a evolução das suas carreiras. Ou para o momento em que estas mudaram.

Quando os dois se cruzaram (em 2003), nas camadas jovens do Vitória da Bahia, o mesmo treinador, João Paulo Sampaio, reparou que as capacidades de cada um estavam subaproveitadas, desprezando a potência que apresentavam, e decidiu trocá-los de posição, para extrair o que tinham - e têm - de melhor. No fundo, o técnico fez de David Luiz e de Hulk os… monstros que os dois são hoje, no Benfica e no FC Porto.
"Vai dar faísca de certeza"
David Luiz, cuja robustez ainda na temporada passada foi comparada, por Quique Flores, à de Maldini, era, há seis anos, um trinco disponível, combativo, mas mostrava dificuldades em jogar de costas, não conseguia fazer a bola girar; Hulk, que não precisa de comparações, já que a alcunha sempre falou por si, era um bom lateral, mas os adversários tinham de conhecer mais de perto aquele vigor e aquele tiro descomunal, à Roberto Carlos. Até aí, tinham as carreiras a modos que em banho-maria - pior, David Luiz até estava para ser dispensado do clube baiano.
"O David era juvenil, ia subir para os juniores, mas ia ser dispensado. Decidi testá-lo a zagueiro [central]. Ele tinha muita força, era rápido, e com a sua qualidade de passe poderia dar certo naquela posição, como aconteceu", explica, a O JOGO, João Paulo Sampaio, hoje coordenador de todo o futebol de formação do Vitória. "Quanto ao Hulk, já se destacava imenso pela explosão e pela potência do remate. Era um crime deixá-lo ali. Coloquei-o mais à frente, com liberdade, e em pouco tempo estava na equipa principal do Vitória", refere, garantindo que, domingo, quando os dois se encontrarem, "vai dar faísca de certeza"...
A mesma origem, o mesmo (fabuloso) destino
David Luiz e Hulk nasceram em cidades tão distantes que há quase três mil quilómetros e até uma grande diferença sociocultural a separá-las, mas o futebol juntou-os, a meio da adolescência, no Vitória. Para trás, um início já com coincidência, como a passagem pelo futebol de salão (futsal) e também pelas camadas jovens do São Paulo - aqui, porém, não se encontraram. Hulk, que já jogara em Portugal (no Vilanovense), chegou ao Vitória por indicação de um famoso olheiro do clube, José do Egipto. Já David Luiz foi descoberto num torneio em São Paulo. Tendo um ano de diferença, estavam em escalões diferentes, mas chegaram a treinar e também a jogar juntos, enquanto se uniam para combater as saudades de casa. Ficou a amizade. Domingo, vão ser adversários, inimigos, mas só por 90'.
Macarrão e o Incrível juntos até no colégio
Em 2003 e 2004, David Luiz, natural de Diadema, estado de São Paulo, e Hulk, de Campina Grande, na Paraíba, já foram da mesma família - a família dos cerca de 80 jovens de vários pontos do país que habitavam na residência do Vitória, junto ao Barradão, o estádio do clube. Por jogarem em escalões diferentes, o central benfiquista e o avançado portista não dormiam no mesmo andar, mas só durante o sono, em quartos de quatro jogadores cada, estavam separados. O resto faziam em conjunto: refeições, sessões de pingue-pongue ou jogos de consola e até... aulas, à noite, no Colégio Estadual Pedro Calmon.
E só aqui, na escola, David Luiz, a quem os colegas chamavam... Macarrão, por causa do cabelo, sossegava. Era ele o animador do grupo, como revela, a O JOGO, Uelliton, atleta do Vitória que morou (e cresceu) com David Luiz e Hulk na residência do clube. "O David era muito brincalhão, estava sempre na palhaçada. O Hulk ficava mais na dele", conta, descrevendo como "óptimo" o ambiente daquele grupo de jovens candidatos a estrelas. Estrela que, para a população feminina, se chamava... David Luiz, o Macarrão. "As meninas andavam sempre atrás dele, todas queriam namorar com ele", recorda Uelliton.
Já atrás de Hulk também costumavam andar os adversários, a tentarem apanhá-lo. Em vão, quase sempre. "O Hulk já se destacava muito, era bastante forte, os adversários até tinham medo dele. E por isso é que subiu logo à primeira equipa", acentua Uelitton. O Macarrão, "um defesa de grande capacidade", também passaria cedo, aos 18 anos, para os seniores do clube de Salvador da Baía, mas nessa altura já Hulk estava a arrasar no outro lado do Globo, no exótico futebol do Japão. Portugal encarregou-se de os juntar novamente, só que agora sem laços de família, na condição de queridos... inimigos.
Fonte: O Jogo

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